sábado, 28 de junho de 2008


"A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos."(Charles Chaplin)

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Uma via chamada Meneghetti

Sexta-feira à noite. Confraternização brasiliana no apartamento cinco de um dos prédios da rua Egídio Meneghetti. A cidade é Mirano, o país?! Se reunir aos fins de semana é uma das formas que os brasileiros, que moram na Itália, encontram para aliviar um pouco a saudade da terra natal. Eles estão não só em Mirano, não só na Egídio Meneghetti, mas por várias e várias cidades do país onde nasceram seus antepassados. Cada vez é mais comum a presença de imigrantes do Brasil na Itália. Estão aqui a estudo, trabalho ou por outros motivos, como a dupla cidadania.
No apartamento da via (rua) Meneghetti, por exemplo, vivem seis jovens brasileiros. Todos com um objetivo em comum: reconhecer a cidadania italiana. Todos, com sonhos diversos. Sentir falta do Brasil é normal, mas o fascínio pela nova vida também é inevitável. Entre os conterrâneos, ou nas conversas com habitantes do local, a troca de experiência é muito grande. Na opinião de Diego Bohrer, um dos moradores do apartamento em questão, “nada melhor que uma boa conversa com la gente daqui para adquirir mais conhecimentos”. Diego está há um mês na Europa. Programou a viagem por quase um ano e chegou a Mirano, que pertence a província de Veneza, no início do mês de fevereiro. Veio acompanhando a mulher Daniela, descente de italianos. Ele, piloto de avião. Ela, formada em jornalismo pela Universidade de Passo Fundo. Com planos futuros, aproveitam para estudar o idioma enquanto aguardam a documentação. “Era uma segunda-feira quando chegamos aqui. No dia seguinte fomos até a comune, que é uma espécie de prefeitura, para dar entrada ao processo de cidadania. Uma semana depois o guarda municipal passou para confirmar nossa residência. A expectativa é que no máximo em três meses minha esposa seja uma cidadã européia”.
Só em Mirano, uma cidade de aproximadamente 26 mil habitantes, são cerca de 70 processos em andamento, fora os que já foram concluídos. Um deles é de José Mauro Padovan, 25 anos, artista e amante das artes plásticas. Saiu do Brasil há quinze dias e hoje também reside na via Meneghetti, “pelos menos nos próximos dois meses...”, brinca em clima de descontração. Zé, apelido pelo qual é conhecido, já “sentiu na pele” como é morar fora do país onde nasceu. No ano passado permaneceu oito meses nos Estados Unidos e desde então sua vontade é “desbravar os quatro cantos do mundo”, estudar e se especializar nas artes plásticas. “Em 2006 organizei toda a documentação para viajar e solicitar a cidadania na Itália. Porém, no início do ano passado surgiu um convite inesperado. Uma amiga, que está na América do Norte, me convidou para passar um tempo lá. Resultado: uma viagem que deveria durar três meses se prolongou por oito” relembra satisfeito. O artista plástico conta que, apesar de amar sua terra natal, estar fora foi muito bom para seu crescimento, inclusive artístico.
Tanto Zé Mauro como Diego confessam que não pretendem voltar ao Brasil tão cedo. Os primeiros dias longe de casa podem até ser difíceis, mas aos poucos as oportunidades vão surgindo e idéias vão iluminando os pensamentos e sentimentos desses jovens, e não tão jovens assim (afinal são pessoas de todas as idades que buscam o reconhecimento da cidadania), futuros italianos. É como aquela lâmpada mágica dos desenhos animados, a luz se ascende enchendo as cabecinhas de prósperas intenções. “Meus planos? Bem, quero permanecer aqui na Europa, trabalhar na minha profissão, usar e abusar das oportunidades”, revela Diego.
Mas voltando à história de Zé, depois de um período de estadia em Nova Iorque o artista precisou retornar para casa. “Meu visto de estudante estava vencendo e era necessário ir ao Brasil para renová-lo. Infelizmente, ou felizmente, esse processo se prolongou e nesse período ressurgiu a idéia de vir para a Itália”. O ambiente, as raízes históricas, tudo isso é inspirador aos olhos de Zé Mauro, principalmente no que diz respeito ao seu trabalho. “Não sei exatamente meu destino depois da cidadania, mas quero aproveitar ao máximo minha vida por aqui, as paisagens históricas, a rica arquitetura, etc, etc”. Talvez pelas características climáticas, talvez pela época do ano, o cenário na Itália faz jus às imagens dos mais clássicos filmes de romance.
As vantagens de ser um cidadão italiano, ter ou não direito à cidadania, as etapas a serem percorridas e o convívio local. Esses, sem dúvida, são alguns dos assuntos que mais geram curiosidades entre os brasileiros interessados. Porém, esse texto não aborda especificamente essas questões. A intenção aqui é transmitir um pouco da história e as sensações de brasileiros que vivem na Itália.

A Itália e o inverno

O ano de 2007 foi de preparação e planejamento. No trabalho, em casa, com a família e amigos, em todos os momentos minha vida estava voltada à viagem. O próximo ano chegou e foi ao final de janeiro que embarcamos. Primeiro pouso: Itália. No país de meus antepassados começou uma nova fase, o período de reconhecimento da cidadania italiana. Cheguei ao início de fevereiro e no dia seguinte o processo já estava em andamento, só restava aguardar. Alguns contratempos fizeram parte do itinerário, mas todos os problemas sempre foram solucionados.
Dois meses depois, alguns novos amigos, experiências compartilhadas e várias impressões desse país novo para mim, eu havia me tornado italiana (sem nunca deixar de ser brasileira, é claro!). Quando se está na Europa como brasileiro se tem três meses para turismo, com exceção da Inglaterra que são seis meses. Quando se está na Europa como cidadão europeu se tem passe livre em qualquer país da União Européia. Você pode não só passear, mas trabalhar e estudar.
Dois meses, esse foi o tempo que permaneci da Itália. Tempo suficiente para observar como os italianos são reservados. O curioso é a maneira como conversam, em voz alta, como se estivessem discutindo. Ainda assim são reservados. Diferentemente dos brasileiros, não gostam de muito barulho. Suas festas, no geral, são sossegadas. Normalmente os bares e danceterias ficam abertos só até as duas da manhã, pelo menos no interior. Gostam muito de danças latinas, como salsa e mambo, e apreciam bebidas fortes. O Vinho está em primeiro lugar e a cerveja é quente, por causa do clima. No comércio o intervalo de almoço é das 12h às 15h, pois depois da refeição é hora do repouso, que é “sagrada”.
No inverno faz muito frio, e talvez por isso eles consumam demasiadamente cigarro. É comum vê-los fumando desde muito jovens. Não digo todos, mas depois que te conhecem melhor ficam mais receptivos. Se você conseguir se comunicar em italiano facilita muito. Uma coisa que percebemos e não é tão boa, mas que é comum, é a impressão que eles têm dos brasileiros: de que tudo é festa no Brasil. Cabe a nós mudarmos essa impressão.
A arquitetura é belíssima, por fora se conserva o aspecto histórico e por dentro é moderno. Ao mesmo tempo em que é um país de primeiro mundo se preserva tradições antigas, como andar de bicicleta. A bicicleta é fiel companheira de todas as horas, tanto de trabalho como de lazer. As senhoras, mais velhas, são muito vaidosas, já as mais jovens não são. A moda é diferente da que se vê no Brasil, onde se usa tudo combinando: roupas, calçados e assessórios. O que pude observar é que os homens são mais vaidosos do que as mulheres, gostam de se arrumar. As famílias apreciam passear, principalmente aos fins de semana, com seus animais de estimação. Em quase todos os locais é permitido entrar com cães, como no comércio, por exemplo. Se você trabalha, e recebe seu salário na moeda local, fica acessível consumir produtos, se torna barato. Outra facilidade é o transporte, principalmente de trem (são horários e destinos diversos). No que diz respeito aos estrangeiros encontramos vários por aqui. Não só brasileiros, mas de várias partes do mundo, principalmente nas escolas de italiano. Pelo o que se sabe, muitos têm permissão de trabalho e moram aqui há anos. Emprego existe, mas sem dúvida é quase impossível conseguir uma vaga sem falar o idioma e sem ter documentos europeus. Nada que o tempo não resolva.
A Itália é um país belíssimo, rico em história e cultura, mas não de muita badalação. Acredito que na hora de escolher um país se deve levar em conta os gostos e as necessidades. De qualquer forma, uma experiência italiana fica para toda a vida.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

A melhor profissão do mundo


Gabriel García Márquez

"Há uns cinqüenta anos não estavam na moda escolas de jornalismo. Aprendia-se nas redações, nas oficinas, no botequim do outro lado da rua, nas noitadas de sexta-feira. O jornal todo era uma fábrica que formava e informava sem equívocos e gerava opinião num ambiente de participação no qual a moral era conservada em seu lugar."
"Não haviam sido instituídas as reuniões de pauta, mas às cinco da tarde, sem convocação oficial, todo mundo fazia uma pausa para descansar das tensões do dia e confluía num lugar qualquer da redação para tomar café. Era uma tertúlia aberta em que se discutiam a quente os temas de cada seção e se davam os toques finais na edição do dia seguinte. Os que não aprendiam naquelas cátedras ambulantes e apaixonadas de vinte e quatro horas diárias, ou os que se aborreciam de tanto falar da mesma coisa, era porque queriam ou acreditavam ser jornalistas, mas na realidade não o eram."
"O jornal cabia então em três grandes seções: notícias, crônicas e reportagens, e notas editoriais. A seção mais delicada e de grande prestígio era a editorial. O cargo mais desvalido era o de repórter, que tinha ao mesmo tempo a conotação de aprendiz e de ajudante de pedreiro. O tempo e a profissão mesma demonstraram que o sistema nervoso do jornalismo circula na realidade em sentido contrário. Dou fé: aos 19 anos, sendo o pior dos estudantes de direito, comecei minha carreira como redator de notas editoriais e fui subindo pouco a pouco e com muito trabalho pelos degraus das diferentes seções, até o nível máximo de repórter raso. A prática da profissão, ela própria, impunha a necessidade de se formar uma base cultural, e o ambiente de trabalho se encarregava de incentivar essa formação. A leitura era um vício profissional. Os autodidatas costumam ser ávidos e rápidos, e os daquele tempo o fomos de sobra para seguir abrindo caminho na vida para a melhor profissão do mundo - como nós a chamávamos.
Alberto Lleras Camargo, que foi sempre jornalista e duas vezes presidente da Colômbia, não tinha sequer o curso secundário. A criação posterior de escolas de jornalismo foi uma reação escolástica contra o fato consumado de que o ofício carecia de respaldo acadêmico. Agora as escolas existem não apenas para a imprensa escrita como para todos os meios inventados e por inventar. Mas em sua expansão varreram até o nome humilde que o ofício teve desde suas origens no século XV, e que agora não é mais jornalismo, mas Ciências da Comunicação ou Comunicação Social. O resultado não é, em geral, alentador. Os jovens que saem desiludidos das escolas, com a vida pela frente, parecem desvinculados da realidade e de seus problemas vitais, e um afã de protagonismo prima sobre a vocação e as aptidões naturais. E em especial sobre as duas condições mais importantes: a criatividade e a prática.
Em sua maioria, os formados chegam com deficiências flagrantes, têm graves problemas de gramática e ortografia, e dificuldades para uma compreensão reflexiva dos textos. Alguns se gabam de poder ler de trás para frente um documento secreto no gabinete de um ministro, de gravar diálogos fortuitos sem prevenir o interlocutor, ou de usar como notícia uma conversa que de antemão se combinara confidencial. O mais grave é que tais atentados contra a ética obedecem a uma noção intrépida da profissão, assumida conscientemente e orgulhosamente fundada na sacralização do furo a qualquer preço e acima de tudo. Seus autores não se comovem com a premissa de que a melhor notícia nem sempre é a que se dá primeiro, mas muitas vezes a que se dá melhor. Alguns, conscientes de suas deficiências, sentem-se fraudados pela faculdade onde estudaram e não lhes treme a voz quando culpam seus professores por não lhes terem inculcado as virtudes que agora lhes são requeridas, especialmente a curiosidade pela vida.
É certo que tais críticas valem para a educação geral, pervertida pela massificação de escolas que seguem a linha viciada do informativo ao invés do formativo. Mas no caso específico do jornalismo parece que, além disso, a profissão não conseguiu evoluir com a mesma velocidade que seus instrumentos e os jornalistas se extraviaram no labirinto de uma tecnologia disparada sem controle em direção ao futuro. Quer dizer: as empresas empenharam-se a fundo na concorrência feroz da modernização material e deixaram para depois a formação de sua infantaria e os mecanismos de participação que no passado fortaleciam o espírito profissional. As redações são laboratórios assépticos para navegantes solitários, onde parece mais fácil comunicar-se com os fenômenos siderais do que com o coração dos leitores. A desumanização é galopante. Não é fácil aceitar que o esplendor tecnológico e a vertigem das comunicações, que tanto desejávamos em nossos tempos, tenham servido para antecipar e agravar a agonia cotidiana do horário de fechamento. Os principiantes queixam-se de que os editores lhes concedem três horas para uma tarefa que na hora da verdade é impossível em menos de seis, que lhes encomendam material para duas colunas e na hora da verdade lhes concedem apenas meia coluna, e no pânico do fechamento ninguém tem tempo nem ânimo para lhes explicar por que, e menos ainda para lhes dizer uma palavra de consolo. 'Nem sequer nos repreendem', diz um repórter novato ansioso por ter comunicação direta com seus chefes. Nada: o editor, que antes era um paizão sábio e compassivo, mal tem forças e tempo para sobreviver ele mesmo ao cativeiro da tecnologia.
A pressa e a restrição de espaço, creio, minimizaram a reportagem, que sempre tivemos na conta de gênero mais brilhante, mas que é também o que requer mais tempo, mais investigação, mais reflexão e um domínio certeiro da arte de escrever. É, na realidade, a reconstituição minuciosa e verídica do fato. Quer dizer: a notícia completa, tal como sucedeu na realidade, para que o leitor a conheça como se tivesse estado no local dos acontecimentos." "O gravador é culpado pela glorificação viciosa da entrevista. O rádio e a televisão, por sua própria natureza, converteram-na em gênero supremo, mas também a imprensa escrita parece compartilhar a idéia equivocada de que a voz da verdade não é tanto a do jornalista que viu como a do entrevistado que declarou. Para muitos redatores de jornais, a transcrição é a prova de fogo: confundem o som das palavras, tropeçam na semântica, naufragam na ortografia e morrem de enfarte com a sintaxe. Talvez a solução seja voltar ao velho bloco de anotações, para que o jornalista vá editando com sua inteligência à medida que escuta, e restitua o gravador a sua categoria verdadeira, que é a de testemunho inquestionável.
De todo modo, é um consolo supor que muitas das transgressões da ética, e outras tantas que aviltam e envergonham o jornalismo de hoje, nem sempre se devem à imoralidade, mas igualmente à falta de domínio do ofício. Talvez a desgraça das faculdades de Comunicação Social seja ensinar muitas coisas úteis para a profissão, porém muito pouco da profissão propriamente dita. Claro que devem persistir em seus programas humanísticos, embora menos ambiciosos e peremptórios, para ajudar a constituir a base cultural que os alunos não trazem do curso secundário. Entretanto, toda a formação deve se sustentar em três vigas mestras: a prioridade das aptidões e das vocações, a certeza de que a investigação não é uma especialidade dentro da profissão, mas que todo jornalismo deve ser investigativo por definição, e a consciência de que a ética não é uma condição ocasional, e sim que deve acompanhar sempre o jornalismo, como o zumbido acompanha o besouro.
O objetivo final deveria ser o retorno ao sistema primário de ensino em oficinas práticas formadas por pequenos grupos, com um aproveitamento crítico das experiências históricas, e em seu marco original de serviço público. Quer dizer: resgatar para a aprendizagem o espírito de tertúlia das cinco da tarde. Um grupo de jornalistas independentes estamos tratando de fazê-lo, em Cartagena de Indias, para toda a América Latina, com um sistema de oficinas experimentais e itinerantes que leva o nome nada modesto de Fundação do Novo Jornalismo Ibero-Americano. É uma experiência piloto com jornalistas novos para trabalhar em alguma especialidade - reportagem, edição, entrevistas de rádio e televisão e tantas outras - sob a direção de um veterano da profissão." "A mídia faria bem em apoiar essa operação de resgate. Seja em suas redações, seja com cenários construídos intencionalmente, como os simuladores aéreos que reproduzem todos os incidentes de vôo, para que os estudantes aprendam a lidar com desastres antes que os encontrem de verdade atravessados em seu caminho. Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade.
Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte."